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Especial

Confira na íntegra a reportagem especial feita com a arquiteta e urbanista, Luciana Ferrara, onde ela conta tudo sobre a região do Pós-Balsa, em São Bernardo

Foto:Arquivo Pessoal

Luciana Ferrara

Arquiteta e Urbanista, professora do Bacharelado em Planejamento Territorial da UFABC

Capítulo I - Impacto Ambiental

Para que uma região de mananciais se mantenha como uma área produtora de água, é necessário que as nascentes, os cursos d`água, a vegetação e a permeabilidade do solo (para filtração e recarga do lençol freático) sejam mantidas na bacia hidrográfica, de modo que as águas cheguem aos reservatórios em quantidade e qualidade, até mesmo em períodos de estiagem.

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Isso não significa que nessas áreas não possam ser realizadas diversas atividades econômicas e de moradia. Porém, tudo precisa ser adequado à finalidade do manancial. Esse é um desafio enorme, pois além de termos um passivo socioambiental em partes desse território com ocupação urbana consolidada, são muito pouco significativos os investimentos públicos e privados em alternativas que visem a preservação associada ao incentivo de usos compatíveis, principalmente nas demais áreas ainda não ocupadas.

 

Quanto mais poluída a água das represas, maior o custo de seu tratamento e pior sua qualidade para o consumo humano. A ocupação urbana intensa, com alta densidade construtiva e populacional, com infraestrutura urbana e de saneamento fragmentada e incompleta (sem a coleta e o tratamento integral dos esgotos), extensas áreas impermeáveis e desmatadas, processos de erosão do solo, aterramento de nascentes e córregos, e a consolidação de muitos assentamentos precários chegando nas bordas da represa.

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De fato, já havia um processo de expansão urbana nas áreas próximas às represas Guarapiranga e Billings, na década de 1970, quando as leis de proteção aos mananciais foram criadas (leis estaduais 898/75 e 1172/76). Apesar de objetivarem proteger as bacias hidrográficas, elas estabeleceram parâmetros elitistas de uso e ocupação do solo, que não condiziam com a dinâmica social em curso na metrópole, tornando-se mais um elemento que colaborou com processos de ocupação irregular do solo, ao invés de contê-los. A lei não foi acompanhada de uma política pública que se voltasse para as necessidades e especificidades dessa região.

 

Hoje, os mananciais dessas represas, por exemplo, possuem uma área com ocupação urbana bastante consolidada, com aproximadamente 1,5 milhões de habitantes. A partir dos anos 1990 se iniciaram investimentos públicos de urbanização e saneamento de assentamentos precários, mas ainda não há um tratamento integral desses assentamentos. Por outro lado, as áreas de proteção de mananciais apresentam diferentes usos e padrões de ocupação. Há assentamentos de moradia mais afastados, que demandariam soluções de urbanização específicas. Além da moradia precária, há outros usos bastante impactantes, como as atividades de mineração, a construção de galpões de logística (que passaram a ser mais frequentes após a construção do Rodoanel), a própria construção do dessa rodovia e de outras infraestruturas de grande porte, e atividades agrícolas que usam agrotóxicos, para citar alguns exemplos.

Capítulo II - Grileiros

A construção de loteamentos ilegais e irregulares é uma das principais formas de ocupação para moradia popular nas áreas de mananciais, seguida da ocupação de favelas. Em São Bernardo do Campo, há um número maior de loteamentos irregulares do que de comunidades na área de proteção aos mananciais e eles ocorreram de modo mais frequente após a promulgação das leis estaduais de proteção aos mananciais dos anos 1970.

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A formação desses loteamentos se deu a partir de diferentes arranjos entre proprietários e imobiliárias informais, ou com a atuação de grileiros. De modo geral, os loteamentos ilegais e irregulares são parcelamentos de glebas maiores, antigas chácaras ou sítios, que serviam para atividade de lazer. Os loteamentos considerados ilegais são aqueles que foram construídos desrespeitando a legislação ambiental e urbanística, sem passarem por processo de aprovação nos órgãos públicos (prefeitura e órgãos estaduais) e realizando a venda de lotes sem seguir os trâmites legais de registro em Cartório. Os grileiros atuaram promovendo loteamentos ilegais. Esses terrenos são aqueles cujos projetos não cumpriram integralmente a legislação ou não concluíram processo de aprovação ou então foram construídos descumprindo o estabelecido em projeto aprovado pelos órgãos competentes.

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Porém, na situação que estamos tratando, o resultado no espaço construído dos loteamentos ilegais e irregulares é muito semelhante, pois em ambos os casos os promotores dos loteamentos realizaram o desmatamento, a abertura de ruas e demarcação de lotes, sem cumprir as exigências legais de construção de infraestruturas, preservação de áreas de proteção permanente, doação de áreas públicas e demais requisitos de um projeto de loteamento. 

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Por serem locais onde mora população de baixa renda, há possibilidade de regularização fundiária. A legislação atual reconhece a necessidade de o poder público atuar sobre essas situações. Ela estabelece os procedimentos que são necessários nos casos de assentamentos de interesse social, que são analisados caso a caso, e para os quais o poder público é responsável por elaborar um projeto de regularização. Esse projeto deve comprovar que a área alcançará melhoria da qualidade urbana e ambiental após as intervenções e obras. Além disso, há procedimentos jurídicos que viabilizam a regularização fundiária da propriedade. A regularização plena - fundiária, urbanística e ambiental - é muito importante para garantir o direito à moradia.

Capítulo III - Riscos de Deslizamento

Formação de áreas de risco de deslizamento ou de inundação pode acontecer, pois as construções são feitas nas áreas disponíveis, que “sobram” e sem acompanhamento técnico. Não há um controle sobre os terrenos que são impróprios à edificação.

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Por isso, uma ferramenta muito importante de gestão dos espaços construídos em área de risco é o Plano de Monitoramento e Redução de Riscos, realizado pelas Prefeituras, e também a atuação preventiva da Defesa Civil.

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As áreas de risco precisam ser analisadas por geólogos e por equipe multidisciplinar, que identificam as situações que podem ser resolvidas com a realização de obras de contenção, drenagem e outras medidas de melhoria das habitações; e as situações mais graves, nas quais não é possível manter ou consolidar as moradias devido o risco à vida. Nessas situações mais graves, a remoção da moradia em risco deve ser acompanhada de atendimento habitacional adequado e de trabalho social junto às famílias.

Capítulo IV - Acessibilidade

Essa busca de alternativas para melhorar a acessibilidade e mobilidade da região do Riacho Grande deve contemplar tanto a melhoria da situação para a população moradora, quanto pensar em infraestruturas que não incentivem o crescimento e urbanização dessa região, que ainda apresenta um entorno com vegetação e ocupação de menor densidade populacional, mas passa por um processo de adensamento dos núcleos urbanos.

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A própria balsa pode ser melhorada e mantida como meio de transporte, combinada a outros meios de transporte público, como o ônibus circular. A infraestrutura viária também deve ser qualificada considerando que se trata de uma área ambientalmente protegida, o que envolve o desenho de pavimentação e drenagem, além da manutenção das estradas locais. A Prefeitura de São Bernardo do Campo realizou um estudo sobre essa região, levantando demandas da população, e o tema da mobilidade e acessibilidade foi discutido. As soluções precisam ser construídas considerando as características sociais e as potencialidades ambientais da região.

Capítulo V - Planejamento

região do Riacho Grande possui uma história e características específicas, que devem compor um planejamento voltado para esse território. Como mencionei, a prefeitura de São Bernardo iniciou um plano para a região, mas não tenho informações atualizadas sobre sua implementação.  Penso que seria necessário levantar as potencialidades e as demandas da população para verificar quais atividades seriam adequadas, promovendo um pólo local de geração de emprego e renda, e a complementação de serviços públicos essenciais.

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No município de São Paulo, por exemplo, o Plano Diretor de 2014 definiu uma grande zona rural, pois há agricultores na região que pretendem manter essa atividade, inclusive com cultivo orgânico, o que é fundamental para a área de manancial. Mas, para que essa atividade tenha continuidade, é necessário apoio do poder público, investimentos em infraestrutura adequada, incentivos, acompanhamento técnico. Há também comunidades indígenas que precisam de políticas específicas. São áreas com muito potencial social e ambiental, que precisam ser reconhecidas enquanto tal pela sociedade. 

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Esses são alguns exemplos importantes e que indicam que a área de proteção de mananciais pode ter um tratamento diferente, que não é o da expansão urbana sem planejamento e sem participação dos moradores locais. É nessa perspectiva que acredito que devam ser planejadas as melhorias no Riacho Grande.

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